STF e a quebra das decisões judiciais definitivas

Decisões definitivas em matéria tributária deixarão de ter efeito na existência de julgamento posterior do STF em sentido contrário.

 

O jargão popular “no Brasil até o passado é incerto” recebeu uma nova capitulação graças a julgamento do Supremo Tribunal Federal concluído na última semana. A discussão impacta empresas que possuem decisão judicial definitiva (coisa julgada) em matéria tributária – em reportagem veiculada pelo Valor Econômico (fonte), estimou-se que somente a Samarco, empresa de mineração, terá impacto de R$ 6 bilhões.

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 730.462, Leading case do Tema 885/STF, concluído em 08/02/2023, os Ministros do Supremo Tribunal Federal firmaram a seguinte tese:

“1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”

Neste julgamento, os Ministros da Suprema Corte Federal decidiram que as empresas com decisão judicial favorável transitada em julgado que afasta a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) estão novamente obrigadas a pagar o tributo, com data retroativa ao ano de 2007 – ocasião em que a Corte declarou a constitucionalidade da contribuição, no contexto do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 15.

Por unanimidade, os Ministros concluíram que o contribuinte que, no passado, obteve decisão judicial definitiva (com trânsito em julgado) que reduz ou afasta a cobrança de tributo perderá automaticamente este direito se o STF, em ação direta ou em repercussão geral, firmar jurisprudência em sentido contrário a essa decisão individual do contribuinte. De acordo com o entendimento, a extinção dos efeitos da coisa julgada é automática frente à nova decisão da STF, sem a necessidade de instauração de ação revisória ou rescisória por parte da União.

A Suprema Corte destoou da tese firmada no julgamento do Tema 733/STF, da qual assenta-se que: “A decisão do STF declarando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495)”.

No seu voto, o Min. Luis Roberto Barroso (Relator do Leading Case) justificou a aparente divergência afirmando que o STF excluiu a aplicação da tese firmada no Tema 733 em relação às obrigações de trato sucessivo ou continuado, como é a maioria das relações entre Fisco e contribuintes, que periodicamente se renova a obrigação de recolher o tributo.

A decisão é polêmica porque relativiza e limita os efeitos da coisa julgada (teor da decisão judicial definitiva, não mais sujeita a recurso), garantia assegurada pela Constituição da República Federal do Brasil de 1988 aos contribuintes com a força de cláusula pétrea (que não pode ser suprimida e nem modificada por emenda à Constituição).

A consequência da tese firmada no Tema 885/STF é impor aos contribuintes que possuam a seu favor coisa julgada o dever de acompanhar permanentemente as decisões do Supremo Tribunal Federal, sobretudo as proferidas em matéria tributária. Com efeito, eventual decisão do STF, proferida em ação direta (controle concentrado) ou em repercussão geral, em sentido contrário da que o contribuinte possui a seu favor passará a vinculá-lo, de modo que o tributo reduzido ou suprimido pela decisão individual seja restabelecido, permanecendo indeterminadamente à mercê da revisitação do tema pela Suprema Corte, apta a desconstituir seu direito assegurado.

A situação inversa também é verdadeira: o contribuinte que, no âmbito de uma ação individual, teve a sua pretensão de reduzir ou suprimir tributo rejeitada pelo Poder Judiciário, inclusive por decisão definitiva, poderá desconsiderar os efeitos dessa decisão definitiva se o Supremo Tribunal Federal, em ação direta (controle concentrado) ou em repercussão geral, firmar jurisprudência no sentido de reduzir ou suprimir o tributo contestado. Ou seja, a tese firmada tem o aspecto positivo de estabelecer a isonomia tributária entre contribuintes de um mesmo segmento econômico, reduzindo eventuais distorções concorrenciais ocasionadas por ações judiciais em matéria tributária.

Por fim, importante registrar que a tese firmada no Tema 885/STF não alcança a decisão definitiva em favor do contribuinte cujo teor conflita com jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive sob o rito dos recursos repetitivos, restringindo-se às decisões exaradas pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Não obstante, é possível que o STJ, no esteio da tese firmada no Tema 885/STF, também venha a firmar tese neste sentido, aplicada especificamente às teses firmadas no âmbito da sua competência.

Neste âmbito, a despeito das críticas que possam ser feitas, faz-se necessário constante monitoramento dos posicionamentos exarados pelo STF e as tendências crescentes no Judiciário, de modo que o perfil analítico, por sua vez, se torna cada vez mais relevante no cenário jurídico-tributário nacional, exercendo um impacto direto em questões de planejamento, provisionamento e expectativas futuras.

O Pinheiro Villela Advogados se coloca à disposição para estudo de impactos, análises conjecturais e saneamento de dúvidas a respeito do tema.