DIFAL da EC 87/15: com a Lei Complementar, como fica?

Sob forte pressão dos Estados, que temem perder uma arrecadação estimada em quase R$ 10 bilhões apenas em 2022, foi publicada ontem (05/01/2022) a Lei Complementar nº 190, de 4 de janeiro de 2022, que promoveu alterações na Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996) com o objetivo de colocar a regulamentação do DIFAL da EC 87/2015 nos eixos do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado, no julgamento de mérito do RE 1.287.019/DF (Tema 1.093) e da ADI 5.469.

O projeto de lei que resultou na Lei Complementar nº 190/2022 (PLP nº 32/2021) foi apresentado em março do ano passado – um mês depois de o STF declarar a inconstitucionalidade das Cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 9ª do Convênio ICMS nº 93/2015 – e, em menos de 10 (dez) meses, recebeu aprovação nas duas Casas do Congresso Nacional e sanção sem vetos. Tramitação bastante rápida para os padrões de uma lei complementar.

Confira abaixo os principais aspectos a serem observados pelas empresas contribuintes do ICMS a partir desse ano.

O que decidiu o STF sobre o DIFAL da EC 87/15

Em 24/02/2022, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.469 e do Recurso Extraordinário nº 1.287.019/DF (submetido ao rito dos recursos repetitivos), o Plenário do STF, por maioria de votos, entender ser inconstitucional a “cobrança, em operação interestadual envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte, do diferencial de alíquota do ICMS, na forma do Convênio nº 93/2015, ausente lei complementar disciplinadora”.

Assim, na ocasião, o STF firmou a tese constante do Tema 1.093, com a seguinte redação: “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”.

O Tribunal, contudo, modulou (limitou no tempo) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade das cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 9ª do referido Convênio ICMS para que a decisão produza efeitos apenas a partir de 2022, aplicando-se a mesma solução em relação às respectivas leis dos estados e do Distrito Federal, exceto no que diz respeito às normas legais que versarem sobre Simples Nacional, cujos efeitos retroagem ao mês de fevereiro de 2016.

Com a modulação dos efeitos promovida pelo STF, os Estados não são obrigados a restituir o DIFAL pagos pelos contribuintes nos anos de 2016 e 2021. Para 2022, comentamos abaixo os efeitos dessa decisão e do advento da Lei Complementar nº 190/2022.

Mais recentemente, em 18/12/2021, o STF rejeitou os embargos de declaração opostos pelos Estados para rever certos aspectos do julgamento. A decisão do STF ainda não se tornou definitiva (isto é, não transitou em julgado), mas qualquer alteração no resultado do julgamento é improvável.

O que muda com a Lei Complementar 190/22

Tendo em vista que a declaração de inconstitucionalidade acima referida se deu, sobretudo, pela irregularidade formal das Cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 9ª do Convênio ICMS nº 93/2015, que disciplinaram matérias reservadas à lei complementar pela Constituição Federal (art. 155, § 2º, inc. XII, alíneas a, b, c, d e i, da CF/88), o conteúdo das alterações promovidas pela LC 190/2022 na LC 87/1996 segue o racional da regulamentação do DIFAL já prevista no referido Convênio ICMS.

Com o texto atualizado, a Lei Kandir passa a regulamentar a competência para cobrança e arrecadação do DIFAL – ICMS relativo à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual – devida ao Estado de destino nas operações e prestações de serviços interestaduais com destino a consumidor final (contribuinte ou não do ICMS).

Em análise superficial das disposições inseridas e alteradas pela Lei Complementar nº 190/2022, destacamos os seguintes aspectos:

  • Assim como o § 1º da Cláusula 2ª do Convênio nº 93/2015, a nova redação da Lei Kandir (art. 13, inciso X e §§ 3º 7º) não autoriza os Estados a instituírem, em suas legislações internas, a famigerada base de cálculo “dupla” na cobrança do DIFAL nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS;
  • Em operação interestadual destinada a consumidor final não contribuinte do ICMS, quando o destino final da mercadoria ocorrer em Estado diferente daquele em que estiver domiciliado o adquirente, o DIFAL será devido ao Estado no qual efetivamente ocorrer a entrada física da mercadoria (art. 11, § 7º);
  • A obrigação dos Estados de divulgarem, em portal próprio e unificado, as informações necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias relativas às operações interestaduais (art. 24-A).

O portal acima mencionado foi criado por meio do Convênio ICMS nº 235, de 27 de dezembro de 2021, que instituiu o Portal Nacional da diferença entre as alíquotas interna da unidade federada de destino e interestadual nas operações e prestações destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS, disponível no endereço eletrônico https://difal.svrs.rs.gov.br/inicial.

Como fica para 2022

Essa provavelmente é a questão mais controvertida da Lei Complementar nº 190/2022. Isso porque, no seu no seu art. 3º, consta que a Lei Complementar entra em vigor na data da sua publicação (05/01/2022), observado, quanto à produção de efeitos, a anterioridade nonagesimal (noventena) estabelecida no art. 150, inciso III, alínea c, da CF/88.

Assim, interpretando esse dispositivo em sua estrita literalidade, as disposições da Lei Complementar nº 190/2022 poderiam ser aplicadas já a partir de 05/04/2022.

Chama a atenção o fato de constar, na redação do art. 3º da LC 190/2022, observância apenas à anterioridade nonagesimal, deixando de mencionar que a produção de efeitos obedecerá também à anterioridade de exercício – o que tornaria a Lei aplicável apenas em 2023. Neste sentido, convém recordar que, por não constar nas ressalvas do § 1º do art. 150 da CF/88, a cobrança do ICMS está sujeita a ambas as anterioridades (de exercício e a noventena).

Diante da arrecadação esperada com o DIFAL, a omissão no texto da Lei parece não ter sido despropositada. Com efeito, à reportagem do Valor Econômico (notícia veiculada em https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/01/05/estados-correm-risco-de-perder-icms-do-comercio-eletronico.ghtml), o diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (“COMSEFAZ”), André Horta Melo, disse que o projeto de lei complementar não optou pela noventena, apenas cita o artigo 150 da Constituição, justificando, ainda, que a lei tratada de repartição de tributos, o que, no seu entender, afasta a aplicação das anterioridades de exercício e de noventa dias que subordinam a vigência de normas que criam ou majoram tributos.

Neste cenário, é possível que os Estados e o Distrito Federal voltem a exigir o DIFAL já a partir de 05/04/2022. Para evitar a cobrança do DIFAL pelos Estados em 2022 em relação às operações interestaduais com destino a consumidor final não contribuinte do ICMS, vislumbramos dois principais argumentos que podem ser apresentados pelos contribuintes em eventual ação judicial proposta para discutir a questão:

  • A subordinação das disposições da Lei Complementar nº 190/2022 ao princípio da anterioridade de exercício prevista no art. 150, inciso III, alínea b, da CF/88, de modo que a sua aplicação somente poderia ocorrer no exercício seguinte ao da publicação da lei (em 2023);
  • Inconstitucionalidade e ilegalidade das leis estaduais editadas antes da vigência e da produção de efeitos da Lei Complementar nº 190/2022 para instituir a cobrança do DIFAL da EC 87/2015, nos termos da jurisprudência do STF firmada no Tema 1.093, não possuindo a LC 190/2022 efeito retroativo para convalidar legislação anterior.

Para discutir os caminhos possíveis para evitar a cobrança do DIFAL para 2022, por gentileza entre em contato conosco através do e-mail contato@pinheirovillela.com.br ou leonardo@pinheirovillela.com.br.