Transação tributária com precatórios e a proposta do contribuinte

Em 16 de outubro de 2019 o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 899 (“MP 899”), por meio da qual pretende regulamentar o instituto da transação tributária, que há mais de 50 anos está previsto no Código Tributário Nacional como modalidade de extinção da obrigação tributária e até então estava pendente de regulamentação no âmbito federal. 

Entre os principais objetivos da iniciativa, além de obviamente aumentar a arrecadação da União, é reduzir o “estoque” de recebíveis considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação.  

Como funciona a transação da MP 899? 

Basicamente, a MP 899 estabelece duas modalidades de transação: a individual e a por adesão. A individual pode ser de iniciativa tanto do contribuinte quanto da Procuradoria responsável pela cobrança do débito; a por adesão, por sua vez, decorre de edital publicado pela Procuradoria responsável pelo débito, no qual são estabelecidos todas as condições e requisitos para adesão. Para resolução de litígios tributários e aduaneiros de relevante e disseminada controvérsia jurídica, a MP 899 também autoriza o Ministro da Economia a apresentar proposta de transação resolutiva de tais litígios. 

As propostas de transação podem autorizar a quitação de débitos: 

  • em no máximo 84 meses, contados da sua formalização;  
  • com redução de até 50% o valor total da dívida transacionada, vedado qualquer desconto no principal; 
  • inscritos na Dívida Ativa da União, desde que não se refiram a multa qualificada,  infração de natureza penal, apuração no âmbito do Simples Nacional e FGTS. 

A proposta de transação exige que o devedor assuma, sob pena de rescisão da transação, pelo menos os seguintes compromissos:  

  • renunciar a quaisquer alegações de direito em relação aos débitos transacionados;  
  • não utilizar a transação com a finalidade de prejudicar a livre concorrência;  
  • não ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de seu patrimônio, seus reais interesses e a identidade dos beneficiários em seus atos; e 
  • outros compromissos, conforme as particularidades de cada caso. 

A proposta de transação não suspende automaticamente a exigibilidade dos débitos por ela abrangidos. O termo de transação poderá, no entanto, prever a suspensão convencional da execução ou a concessão de moratória ou parcelamento para suspender a exigibilidade. 

A proposta de transação por adesão será divulgada na imprensa oficial e nos sites da Procuradoria responsável na internet, mediante edital que especifique todas as condições e requisitos nos quais a Fazenda Nacional propõe a transação. 

A MP 899 pode ficar sem efeito? 

Sim, mas é improvável que isso aconteça. Para isso ocorrer, a MP 899 teria de ser reprovada pelo Congresso Nacional e ser editado decreto legislativo cassando a sua eficácia durante o período que permaneceu em vigor. A votação da MP deve ser concluída até o final da segunda semana de fevereiro, trancando a pauta para outros temas caso não seja votada antes. 

Avaliamos este cenário como improvável porque, até o momento, foram apresentadas 220 emendas à Comissão Mista designada para analisar a MP 899, o que sinaliza a votação de Projeto de Lei de Conversão ao invés de simples aprovação ou reprovação da MP. Ou seja, o cenário mais provável é que as disposições da MP 899 sejam mantidas até que sobrevenha a sua lei de conversão; depois que a lei de conversão for publicada, a regulamentação da transação com a União será regida por esta nova lei, que cujo texto sofrer diversas comparado ao texto original da MP 899. 

Transação com a União proposta pelo contribuinte 

Para regulamentar as propostas de transação nos moldes da MP 899, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) editou a Portaria nº 11.956, de 27 de novembro de 2019 (“Portaria 11.956”). Sobre a transação proposta pelo sujeito passivo, a Portaria 11.956 estabelece que somente podem ser objeto de proposta de transação débitos:  

  • de devedores que possuam mais de R$ 15 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativa da União; 
  • de devedores falidos, em processo de recuperação ou liquidação judicial ou extrajudicial e em processo de intervenção extrajudicial; 
  • cujo valor consolidado seja igual ou superior a R$ 1 milhão e que estejam suspensos por decisão judicial ou garantidos por penhora, fiança ou seguro-garantia. 

A Portaria 11.956 estabelece uma série de exigências que a proposta de transação apresentada pelo sujeito passivo deve conter. Dentre tais exigências, destacamos: 

  • plano de recuperação fiscal e descrição dos meios para a liquidação dos débitos; 
  • demonstrações financeiras dos últimos 3 exercícios; 
  • relação completa dos credores e dos créditos detidos contra o sujeito passivo; 
  • relação completa dos bens e direitos detidos pelo sujeito passivo no Brasil e no exterior, inclusive extratos bancários de contas e aplicações financeiras de qualquer modalidade detidas pelo sujeito passivo; 
  • descrição completa de sócios, controladores, administradores, gestores e representantes legais do sujeito passivo, bem como a relação dos bens particulares destas pessoas; 
  • relação das ações judiciais que o sujeito passivo figura como parte; 
  • compromisso do sujeito passivo de não alienar bens sem comunicar a PGFN; 
  • relação dos bens e direitos que servirão de garantia ao termo de transação. 

Possibilidade de quitação com precatório federal 

Um dos grandes destaques da Portaria 11.956 é a permissão para liquidação do saldo devedor transacionado com créditos de precatórios federais, de titularidade do próprio sujeito passivo ou de terceiros. 

Para tanto, a integralidade do direito creditório constante do precatório federal deve ser cedida fiduciariamente à União, através de Escritura Pública lavrada no Registro de Títulos e Documentos. A integralidade é exigida ainda que o direito creditório seja superior ao valor total da dívida transacionada; neste caso, o valor excedente será cedido ao devedor-cedente ou, havendo outras inscrições ativas do devedor, será mantido em conta à disposição do juízo. 

No caso de precatório de terceiros cedidos ao devedor, a Escritura Pública deverá conter a identificação completa dos terceiros-beneficiários primários e intermediários, se for o caso. 

A nossa prática tributária tem avaliado a viabilidade de proposta de transação nos termos da Portaria 11.956 e está à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.